Entre a privacidade e a liberdade de expressão.

Symbolfoto zum Thema Datensicherheit auf dem Smartphone. Haende tippen auf einem Smartphone. Berlin, 12.02.2018. Berlin Deutschland *** Symbol photo on the subject of data security on the Smartphone hands typing on a Smartphone Berlin 12 02 2018 Berlin Germany PUBLICATIONxINxGERxSUIxAUTxONLY Copyright: xThomasxTrutschel/photothek.netx

A responsabilização dos provedores de internet por conteúdos de terceiros nas mãos do STF.

A origem substancial das pautas do dia na justiça, sua razão própria de ser, venha de onde vier, está quase sempre atrelada ao Estado Democrático de Direito (assim, com as primeiras letras em caixa alta – outrora maiusculas – substantivado e que se caracteriza pela garantia dos direitos humanos e limitação do poder do Estado). Por óbvio, não tem sido diferente para os temas que envolvem as repercussões sociais das novas tecnologias e da era informacional em que atualmente se vive. Exemplo claro são as discussões acerca da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão do julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) 1.037.396 e 1.057.258.

Considerando a exaustão informativa do assunto nos últimos dias, em que foram proferidos os votos dos Ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores dos mencionados recursos (respectivamente), para negar provimento aos pedidos de seus recorrentes, vale já partir de meio percurso em favor da economia do tempo. Para ambos, especialmente Fux, o artigo reclamado afronta a tutela dos direitos fundamentais expostos na Constituição Federal. Entende, cada qual a seu modo, que a responsabilização dos provedores de aplicações apenas nas hipóteses em que se recusarem a cumprir ordem judicial específica, pode aumentar os danos gerados aos ofendidos pelo tempo em que o conteúdo danoso permanecer disponível aguardando exame do órgão judicial.

Aos votos dos magistrados seguiram-se inúmeras críticas, grande parte delas considerando equivocada e ativista a abordagem realizada pelos ministros da corte, inclusive porque, para os críticos, o próprio artigo discutido deixa claro sua razão de ser quando determina, logo no início do texto, que a condição ali estabelecida se dá “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. Assim, valendo-se de raciocínio pragmático, se o objetivo seria garantir tais direitos,  dizem, reconsiderar o texto significaria ofender os mesmos direitos ali tutelados. Esta perspectiva nos parece superficial, pois, sem o receio de sermos julgados ambíguos, é factível considerar a existência de argumentos para duas teses (talvez) antagônicas, o que gera a necessidade de um concerto, um ajuste de meio.

Vejam, se considerarmos a veiculação de conteúdos que sustentem discursos de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência, apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e apologia ao Golpe de Estado (atos ilicitos especificados nos votos dos ministros em questão), qualquer demora na remoção de tais materiais será certamente mais danosa aos ofendidos e (muito provavelmente) à coletividade como um todo. Por outro lado, adotar-se um contexto – como se pretende – em que qualquer notificação minimamente estruturada force a retirada do que fora disponibilizado no ambiente mantido pelos provedores, cria dificuldades operacionais que comprometem a própria atividade comercial desses mecanismos, inclusive pelo risco de se estabelecer cenário em que a mera discordância dê vazão para que qualquer sujeito requeira por si ou seu representante legal a remoção de conteúdo produzido por outrem, mesmo sem que se possa comprovar (de imediato) tratar-se de conteúdo efetivamente ilícito.

Como sustentaram os ministros, a atividade exercida pelos provedores gera a eles lucro e evidentemente deve ser ajustada para que as suas responsabilidades correspondam ao mesmo grau das vantagens que observam. Contudo, não parece posição equilibrada (no intento de que seja justa) a que defende que se aplique a mera responsabilidade objetiva (independente de dolo ou culpa) aos provedores nos caso do mencionado artigo, sendo prudente que se estabeleça uma composição que garanta os direitos vislumbrados por ambos os lados, seja, tanto a liberdade de expressão de quem profere sua opinião (desde que legal) e  do provedor responsável pelo ambiente em que são proferidas, quanto a privacidade e outros direitos fundamentais vinculados a pessoas eventualmente ofendidas.

Pensa-se que, mais efetivo seria estabelecer-se prazo para suspensão do conteúdo por, digamos, 30 dias (mera sugestão), de forma que os provedores de aplicações de internet pudessem ter tempo para analisar internamente a validade do pedido de exclusão, para, somente após tal período, efetivamente excluir, ou, sob justificativa plausível, e assumindo a responsabilidade, mantê-lo. O risco neste caso permanece, mas segue de forma controlada. A parte eventualmente prejudicada, poderia, mesmo no decurso do tempo de análise do provedor, buscar a tutela de segurança. Ter-se-ia assim uma divisão mais clara e, ao nosso ver, mais justa de caminhos e responsabilidades para todos os envolvidos, inclusive o judiciário.  

Genival Silva Souza Filho
Author: Genival Silva Souza Filho

Genival Silva Souza Filho, é professor universitário e advogado especialista em compliance e tecnologia. Doutorando em direito, mestre em direitos fundamentais, pós-graduado em tecnologia e meio ambiente, direito empresarial, direito digital, governança e compliance, ciência política, direito constitucional e filosofia.

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