No nosso mundo hiperconectado, a palavra “narcisista” é usada com uma frequência alarmante. A mídia social, com suas imagens selecionadas e busca incansável por validação, parece amplificar essa tendência, levando a um mal-entendido generalizado sobre o que constitui o verdadeiro narcisismo e promovendo um clima de julgamento rápido e rotulagem superficial.
Este ensaio explorará o conceito de narcisismo através das lentes da psicanálise, destacando suas complexidades e diferenciando-o de personalidades fortes ou autoestima saudável. Precisamos ter cautela antes de rotular aqueles com personalidades assertivas como sofrendo de Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN).
A compreensão psicanalítica do narcisismo, desenvolvida principalmente por Sigmund Freud, é muito mais rica e mais matizada do que seu uso coloquial sugere. Freud postulou que o narcisismo é um aspecto inerente do desenvolvimento humano, começando com um estado de narcisismo primário na infância, onde a libido do bebê (energia psíquica) é totalmente focada no self. Gradualmente, conforme a criança amadurece, essa libido muda para objetos externos, um processo conhecido como relações objetais, permitindo o desenvolvimento de empatia e relacionamentos interpessoais saudáveis.
No entanto, de acordo com a psicanálise, tendências narcisistas podem ressurgir ao longo da vida. Esta seria uma condição que denomina-se narcisismo secundário, onde a libido recua de volta para o self, frequentemente como uma resposta a trauma ou sofrimento psicológico. Esta é uma distinção crucial; um senso autoestima é bem diferente da condição clínica do narcisismo.
É importante diferenciar a autoestima saudável e narcisismo patológico. Trabalhos de outros pensadores, como Jacques Rousseau, que distinguiu entre “amour de soi” (amor próprio, uma forma natural e saudável de autopreservação) e “amour-propre” (autoestima, que pode ser construída socialmente e potencialmente levar à competição e vaidade). Isso se alinha ao modelo de Freud, demonstrando que o desenvolvimento do self é uma negociação contínua entre o interno e o externo.
O DSM-5, o manual diagnóstico padrão para transtornos mentais, define que o Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) como um padrão de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia, prejudicando significativamente as relações. Esses não são simplesmente traços de uma personalidade forte ou de alguém que prioriza suas necessidades, mas sim um padrão profundamente arraigado que causa sofrimento e dificuldades interpessoais. O texto descreve claramente os critérios diagnósticos, enfatizando a gravidade e a abrangência desses sintomas para que um diagnóstico seja confirmado.
A sociedade contemporânea, no entanto, frequentemente confunde personalidades fortes ou comportamento egoísta com narcisismo patológico (TPN). A pressão para alcançar, se destacar e projetar uma imagem de sucesso pode contribuir para essa interpretação errônea. Embora assertividade, ambição e autoconfiança sejam atributos positivos, um foco excessivo na autoimportância, juntamente com uma falta de empatia genuína e comportamento explorador em relação aos outros, indica um problema mais profundo.
Mais ainda, há um evidente impacto das mídias sociais nesse fenômeno. A ênfase na autoapresentação e validação online pode exacerbar tendências narcisistas, tornando mais difícil distinguir entre autopromoção saudável e o narcisismo doentio. Isso ocorre porque as mídias sociais frequentemente encorajam a criação de um eu idealizado e com curadoria, tornando a linha entre autoestima e um transtorno de personalidade narcisista muito tênue.
Concluindo, a compreensão psicanalítica do narcisismo é complexa e multifacetada. É crucial distinguir entre os estágios normais de desenvolvimento do narcisismo e a condição clínica do narcisismo patológico, um transtorno de personalidade grave caracterizado por padrões específicos de comportamento e interações interpessoais. Devemos nos envolver em observações mais ponderadas e evitar as armadilhas da rotulagem precipitada, especialmente na era das mídias sociais, onde apresentações superficiais facilmente nos enganam. Somente profissionais de saúde mental qualificados podem diagnosticar e tratar o Transtorno de Personalidade Narcisista com precisão.

Author: Elizandra Souza
Elizandra Souza, psicanalista e professora em cursos de formação em Psicanálise há mais de 20 anos. Mestre em Educação pela Universidade São Francisco. Especialização em Direito Penal pela FAMEESP. Especialização em Psicanálise e Linguagem, pela PUC- SP. E atualmente está finalizando seu Doutorado pela UCES, de Buenos Aires, com a tese e pesquisa sobre Políticos e Crimes do Colarinho Branco, a partir da Psicanálise. Tem participações como palestrante em Congresso, Encontros, Workshops e outros. Realiza palestras em escolas e outras instituições