Na travessia entre o conhecido e o desconhecido da mente humana, a psicanálise nos oferece um espelho de enigmas e complexidades. Quando falamos sobre perversão, precisamos deixar de lado as ideias rasas e estereotipadas, aquelas que a associam meramente a atos desviantes. Neste palco psicanalítico, perversão é uma estrutura intrincada, forjada no inconsciente, onde o poder e a negação das realidades psicológicas mais fundamentais se entrelaçam.
No coração desse entendimento está a noção de “castração” — não no sentido literal, mas como um símbolo. Essa castração representa a necessidade de abdicar das fantasias onipotentes da infância, aceitar os limites da realidade e aprender a viver em sociedade. É uma etapa crucial do desenvolvimento, onde se torna necessário reconhecer o outro, diferenciar o self. O pervertido, no entanto, se esquiva desse acordo tácito, navegando num mar de constante rejeição.
Mas o que é essa perversão, então? Em vez de um mero desvio, ela se apresenta como uma estratégia para lidar com o que não se pode admitir. Rejeitar a realidade da castração é, para eles, uma forma de evitar sentimentos de inadequação e vulnerabilidade. E essa rejeição não acontece na superfície; é um processo psicológico intricado, uma defesa tecida com finos fios de negação. Logo, o pervertido, que conhece as regras do jogo, escolhe não jogar conforme elas, criando uma atmosfera de ilusão.
Aqui, começamos a entender a manipulação envolvida. Os outros, em seu mundo, não são companheiros de jogo, mas meros instrumentos para ganho pessoal. Com um carisma enigmático, eles atraem suas vítimas, envolvendo-as em uma rede de fascínio e controle, mantendo uma distância que lhes permite evitar a vulnerabilidade. É um balé complexo, onde cada movimento é calculado e estratégico. Ao rejeitar simbolicamente essa castração, evitam o desconforto da inadequação, construindo um mundo onde regras são conhecidas, mas não aplicáveis a eles. Este mecanismo de defesa, essa denegação, advém de uma camada profunda de proteção psicológica.
Neste cenário, o pervertido se torna mestre na manipulação. Os outros não são pessoas, mas ferramentas que servem um propósito específico em sua narrativa de controle e poder. Eles criam um jogo enigmático, enredando suas vítimas em um mistério calculado que promete satisfação sem nunca, realmente, se despir de sua máscara emocional. Sem culpa ou remorso, o pervertido escapa da responsabilidade, projetando-a sobre a vítima e manipulando desejos universais como aprovação e reconhecimento.
Interessante é notar que seus esforços nem sempre se dirigem ao prazer sexual. O pano de fundo de suas buscas pode ser o poder, o status ou simplesmente a admiração passiva dos outros. Cada objeto de desejo atua como uma placa que marca tanto a falta quanto a recusa de aceitar essa falta.
Entretanto, é importante destacar que essa dinâmica não vem sem custos. Sustentar essa realidade exige um esforço contínuo, uma dança exaustiva que consome energia e atenção. O pervertido se torna um artista de sua própria construção, exibindo habilidades sociais que encobrem uma fragilidade profunda que nunca ousam expor. É uma dança de máscaras e jogos mentais que cobra seu preço. Manter tal fachada exige manobras incessantes, controle vigilante e uma realidade que se reinventa a cada passo. São arquitetos de suas próprias ilusões, exibindo manejos impressionantes que escondem suas vulnerabilidades.
Assim, ao olharmos para a perversão com a lente da psicanálise, somos levados a uma compreensão mais rica e matizada das origens deste comportamento. Vale ressaltar que essa visão psicanalítica não diminui a gravidade de suas ações e não serve como justificativa para atitudes abusivas e manipuladoras. Pelo contrário, oferece um instrumento de compreensão que pode enriquecer abordagens de tratamento e prevenção. Ao compreender o pano de fundo psicológico, abrimos caminhos para intervenções mais eficazes. No entanto, a linha que separa compreensão de condescendência é fina. Reconhecer a complexidade da perversão não é desculpar o dano causado, mas criar uma base sólida para enfrentar as consequências de atos manipuladores e abusivos com a seriedade e intervenção que merecem.
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Author: Elizandra Souza
Elizandra Souza, psicanalista e professora em cursos de formação em Psicanálise há mais de 20 anos. Mestre em Educação pela Universidade São Francisco. Especialização em Direito Penal pela FAMEESP. Especialização em Psicanálise e Linguagem, pela PUC- SP. E atualmente está finalizando seu Doutorado pela UCES, de Buenos Aires, com a tese e pesquisa sobre Políticos e Crimes do Colarinho Branco, a partir da Psicanálise. Tem participações como palestrante em Congresso, Encontros, Workshops e outros. Realiza palestras em escolas e outras instituições