A responsabilização das plataformas digitais por conteúdos promovidos por usuários.

A liberalidade dos EUA na contramão das alterações do STF e a tendência mundial

Pois bem, dentro do limite da liberdade de expressão versus a legitimidade da verdade, o STF debruça na discussão dos Temas 533 e 987 de Repercussão Geral.

O Tema 533 discute se as empresas de hospedagem de site têm o dever de fiscalizar e remover conteúdo ofensivo, gerado pelo RE 1057258, apresentado pelo Google Brasil Internet S/A (Relator Ministro Luiz Fux), e o tema 987 aborda a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, RE 1037396, apresentado pelo Facebook Serviços Online do Brasil (Relator Ministro Dias Tofolli).

Os temas geraram debate sobre a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos ilícitos promovidos por usuários.

Adicionalmente há paralelos interessantes com as medidas adotadas pelos Estados Unidos, especialmente no que diz respeito à regulação de redes sociais e à responsabilidade por informações postadas (verdadeiras ou falsas). Ambos os países enfrentam desafios semelhantes, com a disseminação de discursos de ódio, fake news e outros conteúdos danosos, mas adotam abordagens totalmente distintas devido a diferenças de seus sistemas jurídicos e políticos.     

Nos Estados Unidos, a regulação de plataformas digitais é fortemente influenciada pela Section 230 do Communications Decency Act (CDA), de 1996. Essa lei é considerada um dos pilares da internet moderna e estabelece que as plataformas online não são responsáveis por conteúdos gerados por terceiros, em outras palavras, as redes sociais não podem ser processadas por postagens de usuários, mesmo que sejam falsas ou ilícitas.

A Section 230 também permite que as plataformas moderem conteúdos sem perder sua imunidade, desde que ajam de “boa fé”, isso significa que as empresas podem remover ou bloquear conteúdos considerados ofensivos ou inadequados sem medo de serem processadas por censura.

Paralelo entre a Section 230 x Artigo 19 do Marco Civil da Internet

  • No Brasil o artigo 19 permite a responsabilização das plataformas se elas não removerem conteúdos ilícitos após notificação judicial. O STF discute a possibilidade de ampliar essa responsabilidade, especialmente para conteúdos evidentemente ilícitos.
  • Nos EUA, a Section 230 protege as plataformas de qualquer responsabilidade por conteúdos de terceiros, independentemente de notificação ou ordem judicial.
  • No Brasil, o STF está considerando a obrigação de monitoramento ativo para conteúdos evidentemente ilícitos, como discursos de ódio e apologia à violência.
  • Nos EUA, as plataformas não são obrigadas a monitorar ativamente conteúdos, embora muitas o façam voluntariamente para evitar danos à sua reputação.
  • No Brasil, há uma preocupação em equilibrar a remoção de conteúdos ilícitos com a proteção da liberdade de expressão, especialmente em casos de ofensas à honra e privacidade, onde a remoção exige ordem judicial.
  • Nos EUA, a Section 230 é vista como uma proteção essencial à liberdade de expressão online, permitindo que as plataformas não sejam punidas por decisões de moderação.

Enquanto isso, a Alemanha através da Lei de Aplicação da Rede (NetzDG), desde de 2017, vem exigido que as plataformas online removam conteúdos ilegais, como discurso de ódio, fake news e incitação à violência, dentro de 24 horas após denúncia com sanções de até 50 milhões de euros, outros países também vão endurecendo como o Reino Unido, através da Lei de Comunicações Maliciosas, que pressiona as plataformas a realizarem remoção de conteúdos impróprios, França, que também exige das plataformas a remoção de conteúdo de ódio e terrorismo em 24 horas, na India, recentemente o governo através da Lei de Tecnologia da Informação, implementou regras mais rígidas para plataformas de redes sociais exigindo remoção de conteúdo em até 36 horas por mera notificação.

Já na Turquia, a Lei de Internet nº 5651 permite ao próprio governo remover os conteúdos e bloquear acesso a plataformas que sejam consideradas uma ameaça (não se limitando a críticas ao governo, insultos ao presidente, conteúdos considerados “terroristas” ou “separatistas”).

Portanto, o STF em julgamento iniciado em dezembro de 2024, declarou que o dispositivo legal não afasta a responsabilidade das plataformas digitais em remover conteúdos ilícitos, não fugindo da tendência mundial.

Todavia é importante ponderar que essa tendência conservadora e de proteção pode mudar em função de  interesses políticos, econômicos e até mesmo influência dos EUA, sendo que nem sempre o objetivo é preservar a liberdade de expressão e sim a liberdade de “desinformação”.

Dr.(a) Teresa Cristina Sant’Anna
Author: Dr.(a) Teresa Cristina Sant’Anna

Teresa Cristina Sant’Anna é advogada, formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em Direito Empresarial e Tributário, escritora, professora universitária, tendo atuado em instituições financeiras, multinacionais e hoje lidera o Departamento Jurídico e de Compliance de uma grande multinacional de tecnologia

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