Incerteza sobre regulamentação paralisa expansão de cursos e gera preocupações nas instituições de ensino superior
A educação a distância (EAD) continua em plena ascensão no Brasil, mas enfrenta um momento decisivo. O novo marco regulatório da modalidade, inicialmente previsto para ser finalizado até 31 de dezembro de 2023, teve sua entrega adiada para abril deste ano e, no momento, está sob avaliação da Casa Civil. A indefinição tem gerado apreensão em instituições de ensino e especialistas do setor.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), o objetivo do novo marco é estabelecer novos referenciais de qualidade para os cursos EAD, além de definir procedimentos transitórios para processos regulatórios em andamento. No entanto, enquanto as regras não entram em vigor, o MEC prorrogou até 10 de abril a suspensão da criação de novos cursos, polos e vagas no ensino superior privado a distância.
Entre 2018 e 2023, o número de cursos superiores ofertados nessa modalidade saltou de 3.177 para 10.554 — um crescimento de 232%, segundo o último Censo da Educação Superior. A modalidade também ultrapassou a presencial em número de ingressantes: mais de 3,3 milhões de estudantes ingressaram em cursos EAD em 2023, contra pouco mais de 1,6 milhão em cursos presenciais.
Apesar dos avanços, o cenário atual é de incerteza. “A ausência de um cronograma claro para a publicação do novo marco regulatório mantém o setor em expectativa, impacta o planejamento estratégico das instituições de ensino superior e cria incertezas sobre a expansão e criação de novos cursos e polos EAD”, afirma João Mattar, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED).
O tema da qualidade na EAD também ganha destaque no debate. Carlos Bielschowsky, coordenador do Núcleo de Educação a Distância da UFRJ, destaca que o MEC tem feito visitas técnicas e dialogado com instituições públicas e privadas, numa tentativa de alinhar a expansão da modalidade a critérios mais sólidos. “O ensino a distância é um sistema potente, mas precisa de um marco regulatório que aponte para a qualidade acadêmica”, afirma.
Entre as propostas discutidas está a ampliação da carga horária presencial, especialmente em cursos de licenciatura — o que já havia sido sinalizado em parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), que recomenda que pelo menos 50% das atividades desses cursos sejam presenciais.
Na prática, experiências bem-sucedidas, como o Consórcio Cederj no Rio de Janeiro, mostram que a combinação entre tecnologia e presença física pode gerar bons resultados. A iniciativa, que já tem 25 anos, reúne oito instituições públicas, incluindo a UFRJ, e oferece 17 cursos com atividades práticas presenciais, como em laboratórios de Biologia, Química e Física.
Ainda assim, Mattar ressalta que aumentar a presencialidade e exigir mais aulas síncronas pode comprometer a flexibilidade — uma das principais características da EAD. “A modalidade permite ao aluno adaptar seus estudos à rotina, desenvolve competências digitais e amplia o acesso ao ensino superior em regiões com pouca ou nenhuma oferta presencial. Além disso, oferece um custo-benefício relevante”, observa.
De acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil, divulgado pelo Semesp, a rede privada concentra 95,9% das matrículas em cursos EAD e 63,1% nas presenciais. Em 2023, as instituições privadas chegaram a representar 79,3% de todas as matrículas no ensino superior brasileiro — um número impulsionado principalmente pelo ensino remoto.
Para Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, o novo marco é urgente. “A demora paralisa o setor. Sem regras claras, os processos ficam travados, e isso impacta o planejamento e a sustentabilidade da modalidade a longo prazo”, afirma.
Enquanto o novo decreto não é publicado, instituições, gestores e especialistas seguem atentos e na expectativa de uma regulação que preserve o crescimento do setor, mas com foco na qualidade, acessibilidade e inovação.
